O que a febre oropouche no Sudeste tem a ver com o plantio de bananas

Antes restrita à região amazônica, a febre oropouche agora está concentrada na Região Sudeste do país. De cada 10 casos da doença confirmados em 2025, oito ocorreram na região, segundo o Painel de Monitoramento de Arbovíroses do Ministério da Saúde.
Neste ano, já foram registrados 11.904 casos de oropouche (informações atualizadas até 18/8), sendo que mais de 10 mil ocorreram nos estados do Espiríto Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.
Além de ser um enigma desafiador para os cientistas, descobrir como um vírus associado à Amazônia atravessou o país traz informações importantes para definir políticas de saúde pública.
Uma pesquisa recente publicada na revista Plos One trouxe algumas pistas sobre o assunto. O trabalho conseguiu associar os surtos de oropouche às mudanças climáticas ao comparar a localização dos casos confirmados com dados sobre a temperatura, o regime de chuvas e o uso do solo.
“Percebemos que as áreas em que a oropouche está em expansão coincidiram com locais onde a temperatura média e as chuvas aumentaram, bem como o desmatamento”, explica Camila Lorenz, principal autora do trabalho, que é pesquisadora do Instituto Butantan.
Clusters específicos
A pesquisa dela também revelou que os clusters (regiões com mais casos confirmados) fora da Amazônia ocorreram em municípios onde havia plantações de banana e cacau. “São culturas com muita matéria orgânica em decomposição, o que favorece a proliferação do maruim”, completa. O maruim, também conhecido como mosquito-pólvora, é o vetor do vírus oropouche.
Em outro trabalho publicado na The Lancet Infectious Diseases, pesquisadores da Fiocruz já haviam associado a circulação do vírus oropouche fora da Amazônia às bananeiras. Analisando as razões para a explosão de casos no Espírito Santo, os cientistas descobriram que os municípios que mais registraram doentes eram os que tinham maiores áreas dedicadas ao cultivo de bananas.
A hipótese que atravessa os dois trabalhos é que o maruim tenha se tornando um vetor mais abundante por causa das mudanças climáticas. “Ambientes quentes e úmidos são favoráveis para os artrópodes, em geral. O ciclo de vida deles se torna mais rápido, o que aumenta a disponibilidade de vetores”, comenta Tiago Gräf, principal autor do trabalho publicado na The Lancet.
Além disso, a substituição de ambientes de mata nativa por plantações teria oportunizado o contágio e aproximado o mosquito-pólvora das cidades. “Quanto mais desmatamos, mais expostos aos vírus ficamos. Nesse caso, a substituição da mata por plantações nos deixou mais vulneráveis à oropouche pois são ambientes com matéria orgânica”, completa Tiago, que é pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz.
Vírus mais contagioso
Na ciência como na vida, é difícil resumir um fenômeno a uma única explicação, as causas costumam ser multifatoriais. Ou seja, o crescimento no número de casos e o espalhamento da doença para o resto do país também estão relacionados a mutações no vírus.
Em setembro de 2024, pouco depois de aparecerem os primeiros casos fatais da doença, o grupo liderado pelo pesquisador Felipe Naveca, da Fiocruz, revelou que o vírus oropouche em circulação era uma versão diferente do que a identificada nos anos 1960.
A linhagem atual, descrita em um artigo publicado na revista Nature Medicine, apresenta alterações na superfície que a tornaram mais contagiosa e mais virulenta, capaz de se replicar no hospedeiro de maneira mais rápida. “As mutações permitiram que o vírus aumentasse sua capacidade de transmissão, isso contribui para o espraimento, mas não é o único fator”, afirma Naveca.
A expectativa é que uma pessoa infectada dissemine o vírus para até duas, lembrando que, nesse caso, o contágio não é pessoa a pessoa. O indivíduo infectado passa o vírus para o mosquito-pólvora que, por sua vez, picará e transmitirá o vírus a uma pessoa saudável.
O terceiro fator que completa a explicação sobre o crescimento da oropouche não é relativo à doença, mas à capacidade do sistema de saúde de diagnósticá-la. O Brasil começou a testar os pacientes para o vírus de dois anos para cá, então, é provável que resultados que vemos hoje nos boletins epidemiológicos estivessem invisíveis no passado devido à falta de testagem.
“É bem possível que muitos casos de oropouche tenham sido confundidos com dengue ou chikungunya, doenças que têm sintomas muito parecidos”, afirma o pesquisador Tiago Gräf. “A ampliação da testagem é um avanço, pois nos permite acompanhar o comportamento do vírus”, completa.
Risco de epidemia?
Os sintomas da oropouche são semelhantes aos da dengue e da chikungunya: febre de início súbito, dor de cabeça, dor muscular e dor nas articulações. O paciente infectado também pode sentir tonturas, dores oculares e calafrios.
Neste ano, de acordo com o Painel de Monitoramento de Arbovíroses, já ocorreram 1.618.413 casos de dengue e 119.821 casos de chikungunya. A pergunta que muitos se fazem é se o vírus oropouche tem potencial para atingir proporções epidêmicas como esses outros dois vírus.
Ao menos nesta parte, a resposta parece ser tranquilizadora. Apesar de parecidas em relação aos sintomas, as doenças são transmitidas por vetores diferentes. O Aedes aegypti é muito bem adaptado às cidades: precisa apenas de calor e água empoçada para se reproduzir.
O maruim, conforme já explicado, exige lugares quentes, úmidos e com matéria orgânica abundante. De acordo com a pesquisa liderada por Tiago, a incidência da oropouche foi quatro vezes maior em municípios com menos de 50 mil habitantes em comparação com núcleos urbanos com mais de 200 mil habitantes. Ou seja, o vírus circulou porque estava mais próximo do campo e, inclusive as pessoas que adoeceram eram, em sua maioria, trabalhadores rurais.
Para a oropouche alcançar um patamar semelhante ao da dengue, o vírus teria que encontrar outro vetor, que fosse adaptado a viver nas cidades, mais próximo dos seres humanos – isso só costuma acontecer depois de milhares de anos de evolução. “O vírus da oropouche se dá com o maruim, mas não se dá com o Aedes. Os dois são de famílias muito distintas, é improvável que o Aedes se torne algum dia um vetor para a oropouche”, completa Tiago.
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